A Quem Aquele Servidor Realmente Serve?
por Richard StallmanNa internet, software privativo não Ê a única maneira de você perder a sua liberdade computacional. Serviço como Substituto de Software, Service as a Software Substitute ou SaaSS, Ê outra forma de dar a alguÊm poder sobre sua computação.
O ponto bĂĄsico ĂŠ que vocĂŞ pode ter controle sobre um programa que outra pessoa escreveu (se ele ĂŠ livre), mas vocĂŞ nunca pode ter controle sobre um serviço executado por uma outra pessoa, entĂŁo nunca use um serviço onde, em princĂpio, executar um programa faria.
SaaSS significa usar um serviço, implementado por outra pessoa, como um substituto da execução de sua prĂłpria cĂłpia de um programa. O termo ĂŠ nosso; artigos e anĂşncios publicitĂĄrios nĂŁo irĂŁo usĂĄ-lo, e eles nĂŁo vĂŁo contar a vocĂŞ que um serviço ĂŠ SaaSS. Ao invĂŠs disso, provavelmente usarĂŁo o termo vago e elusivo ânuvemâ, ou sua versĂŁo em inglĂŞs âcloudâ, o qual mistura SaaSS junto com vĂĄrias outras prĂĄticas, algumas abusivas e algumas aceitĂĄveis. Com a explanação e os exemplos desta pĂĄgina, vocĂŞ poderĂĄ determinar se um serviço ĂŠ ou nĂŁo SaaSS.
Plano de fundo: Como o Software Privativo Toma a Sua Liberdade
Tecnologia digital pode dar a vocĂŞ liberdade; ela tambĂŠm pode tomar a sua liberdade. A primeira ameaça ao nosso controle sobre a nossa computação veio do software privativo: softwares que os usuĂĄrios nĂŁo podem controlar porque o fabricante (uma empresa como a Apple ou a Microsoft) o controla. O dono com frequĂŞncia tira vantagem desse poder injusto, inserindo funcionalidades maliciosas tais como spyware, back doors e GestĂŁo Digital de Restriçþes (DRM) (referenciado como âGestĂŁo de Direitos Digitaisâ [Digital Rights Management] nas suas propagandas).
Nossa solução para este problema Ê o desenvolvimento de software livre e a rejeição de software privativo. Software livre significa que você, como um usuårio, tem quatro liberdades essenciais: (0) de executar o programa como você desejar, (1) de estudar e alterar o código-fonte para que ele faça o que você desejar, (2) de redistribuir cópias exatas e (3) de redistribuir cópias de suas versþes modificadas. (Veja a definição de software livre.)
Com software livre, nĂłs, os usuĂĄrios, tomamos de volta o controle sobre nossa computação. Software privativo ainda existe, mas nĂłs podemos excluĂ-lo de nossas vidas, e muitos de nĂłs jĂĄ o fizemos. PorĂŠm, agora a nĂłs ĂŠ oferecida uma outra forma tentadora de ceder o controle de nossa computação: Serviço como Substituto de Software (SaaSS). Para o bem de nossa liberdade, temos que rejeitar isso tambĂŠm.
Como Serviço como substituto de Software Tira Sua Liberdade
Serviço como Substituto de Software (SaaSS) significa usar um serviço como substituto de executar sua cĂłpia de um programa. Concretamente, significa que alguĂŠm configura um servidor de rede para realizar determinadas atividades computacionais â por exemplo, modificar uma fotografia, traduzir um texto para outro idioma, etc â e, entĂŁo, convida usuĂĄrios a deixara o servidor fazer sua prĂłpria computação para eles. Como um usuĂĄrio do servidor, vocĂŞ enviaria seus dados para o servidor aquela atividade computacional no dados fornecidos, e entĂŁo envia os resultados de volta para vocĂŞ, ou age diretamente em seu nome.
O que significa dizer que uma determinada atividade computacional ĂŠ sua prĂłpria? Isso significa que ninguĂŠm mais estĂĄ intrinsecamente envolvido nisso. Para esclarecer o significado de âintrinsecamente envolvidoâ, apresentamos um experimento de pensamento. Suponha que qualquer software livre de que vocĂŞ possa precisar para o trabalho esteja disponĂvel para vocĂŞ, e todos os dados de que vocĂŞ possa precisar, bem como computadores de qualquer velocidade, funcionalidade e capacidade que possam ser necessĂĄrios. VocĂŞ poderia fazer essa atividade de computação especĂfica inteiramente nesses computadores, sem se comunicar com os computadores de outra pessoa?
Se você pudesse, a atividade Ê inteiramente sua própria. Para o bem da sua liberdade, você merece controlå-la. Se você fizer isso executando software livre, você a controla. No entanto, fazer isso por meio do serviço de outra pessoa daria a essa outra pessoa o controle sobre sua atividade computacional. Chamamos esse cenårio de SaaSS e dizemos que Ê injusto.
Por outro lado, se por razþes fundamentais você não puder fazer essa atividade em seus próprios computadores, então a atividade não Ê inteiramente sua, então a questão do SaaSS não se aplica a essa atividade. Em geral, essas atividades envolvem comunicação com outras pessoas.
Servidores SaaSS tiram o controle dos usuĂĄrios de forma ainda mais inexorĂĄvel do que os softwares privativos. Com software privativo, os usuĂĄrios normalmente tĂŞm um arquivo executĂĄvel, mas nĂŁo o cĂłdigo-fonte. Isso torna difĂcil estudar o cĂłdigo que estĂĄ sendo executado e, portanto, ĂŠ difĂcil determinar o que o programa realmente faz, e ĂŠ difĂcil alterĂĄ-lo.
Com SaaSS, os usuĂĄrios nĂŁo tĂŞm nem mesmo o arquivo executĂĄvel que realiza sua computação: ele estĂĄ no servidor de outra pessoa, onde os usuĂĄrios nĂŁo podem vĂŞ-lo nem tocĂĄ-lo. Portanto, ĂŠ impossĂvel para eles ter certeza do que o programa realmente faz, e ĂŠ impossĂvel modificĂĄ-lo.
AlĂŠm do mais, SaaSS automaticamente leva a consequĂŞncias equivalentes aos recursos maliciosos de certos programas privativos.
Por exemplo, alguns programas privativos sĂŁo âspywareâ: o programa envia dados sobre as atividades computacionais dos usuĂĄrios. Microsoft Windows envia informaçþes das atividades do usuĂĄrio para a Microsoft. Windows Media Player relata o que cada usuĂĄrio assiste ou ouve. O Amazon Kindle relata quais pĂĄginas de quais livros o usuĂĄrio vĂŞ, e quando. Angry Birds relata o histĂłrico de localização geogrĂĄfica do usuĂĄrio.
Diferentemente do software privativo, SaaSS nĂŁo requer cĂłdigo oculto para obter dados do usuĂĄrio. Ao invĂŠs disso, os usuĂĄrios devem enviar seus dados para o servidor, para poderem usĂĄ-lo. Isso tem o mesmo efeito que o spyware: o operador do servidor obtĂŠm os dados — sem nenhum esforço em especial, pela prĂłpria natureza do SaaSS. Amy Webb, que nunca teve a intenção de postar nenhuma foto de sua filha, cometeu o erro de usar SaaSS (Instagram) para editar fotos dela. Eventualmente, as fotos vazaram de lĂĄ.
Teoricamente, criptografia homomĂłrfica pode, em algum dia, avançar atĂŠ o ponto em que futuros serviços de SaaSS poderem ser construĂdos com a capacidade de entender alguns dados que usuĂĄrios lhes enviam. Tais serviços poderiam ser configurados para nĂŁo bisbilhotar os usuĂĄrios; isso nĂŁo significa que eles nĂŁo vĂŁo bisbilhotar. AlĂŠm disso, bisbilhotar ĂŠ apenas um entre as injustiças secundĂĄrias de SaaSS.
Alguns sistemas operacionais privativos têm uma porta dos fundos [back door] universal, permitindo que alguÊm possa, remotamente, instalar alteraçþes nos programas. Por exemplo, Windows tem uma porta dos fundos universal com a qual a Microsoft pode alterar à força qualquer software naquela måquina. Praticamente todos os telefones portåteis as têm, tambÊm. Algumas aplicaçþes privativas tambÊm têm portas dos fundos universais: por exemplo, o cliente Steam para GNU/Linux permite ao desenvolvedor instalar versþes modificadas à distância.
Com SaaSS, o operador do servidor pode modificar o software usado no servidor. Ele tem que ser capaz de fazer isso, jå que o computador Ê dele; mas o resultado [para o usuårio] Ê o mesmo que usar programa aplicativo privativo com uma porta dos fundos universal: alguÊm tem o poder de, silenciosamente, impor mudanças no modo com que a computação do usuårio Ê feita.
Portanto, SaaSS ĂŠ equivalente a executar software privativo com spyware e uma porta dos fundos [back door] universal. Ele concede ao operador do servidor um poder injusto sobre o usuĂĄrio, e esse poder ĂŠ algo a que devemos resistir.
SaaSS e SaaS
Originalmente, nĂłs nos referĂamos a essa prĂĄtica problemĂĄtica como âSaaSâ, que significa Software como Serviço [âSoftware as a Serviceâ]. Trata-se de um termo comumente usado para a configuração de software em um servidor, ao invĂŠs da oferta de cĂłpias dele aos usuĂĄrios, e nĂłs pensĂĄvamos que esse termo descrevia com precisĂŁo os casos em que esse problema ocorre.
Subsequentemente, tomamos consciĂŞncia de que o termo SaaS algumas vezes ĂŠ usado para serviços de comunicação — atividades em que essa questĂŁo nĂŁo se aplica. Adicionalmente, o termo âSoftware como Serviçoâ nĂŁo explica por que a prĂĄtica ĂŠ ruim. EntĂŁo, nĂłs cunhamos o termo âServiço como Substituto de Softwareâ [âService as a Software Substituteâ], que define a mĂĄ prĂĄtica mais claramente e diz o que ĂŠ ruim nela.
Separando a QuestĂŁo do SaaSS da QuestĂŁo do Software Privativo
SaaSS e software privativo levam a resultados similarmente danosos, mas os mecanismos sĂŁo diferentes. Com o software privativo, o mecanismo ĂŠ que vocĂŞ tem e usa uma cĂłpia que ĂŠ difĂcil ou ilegal alterar. Com o SaaSS, o mecanismo ĂŠ que vocĂŞ nĂŁo tem a cĂłpia que executa sua computação.
Essas duas questĂľes sĂŁo frequentemente confundidas, e nĂŁo apenas por acidente. Desenvolvedores web usam o termo vago âaplicação webâ para amontoar os softwares de servidor juntos com programas que executam no navegador web da sua mĂĄquina. Algumas pĂĄginas web instalam programas JavaScript nĂŁo-triviais, ou por vezes grandes, em seu navegador, sem lhe informar. Quando esses programas JavaScripts sĂŁo nĂŁo-livres, eles podem ser tĂŁo ruins quanto qualquer outro software nĂŁo-livre. Aqui, porĂŠm, estamos tratando do problema do software do servidor em si mesmo.
Muitos apoiadores de software livre presumem que o problema do SaaSS vai ser resolvido pelo desenvolvimento de software livre para servidores. Para o bem dos operadores de servidor, ĂŠ melhor que os programas no servidor sejam livres; quando eles sĂŁo privativos, seus donos tĂŞm o poder sobre o servidor. Isso ĂŠ injusto com o operador e nĂŁo ajuda os usuĂĄrios em nada. Mas se os programas no servidor sĂŁo livres, isso nĂŁo protege vocĂŞ como usuĂĄrio do servidor dos efeitos do SaaSS. Eles dĂŁo liberdade ao operador, mas nĂŁo aos usuĂĄrios do servidor.
Liberar o código-fonte de software para servidor beneficia a comunidade: isso permite que usuårios com as habilidades adequadas configurem servidores similares, possivelmente alterando o software. Recomendamos o uso da GNU Affero GPL como licença para os programas frequentemente usados em servidores.
Mas nenhum daqueles servidores daria a você o controle sobre a computação que você faz nele, a não ser que seja o seu servidor (um daqueles cuja carga de software você controla, independentemente da måquina ser de sua propriedade). Pode ser aceitåvel confiar algumas tarefas a servidores de amigos seus, assim como você poderia deixar um amigo seu configurar os programas de seu próprio computador. Fora isso, todos aqueles servidores serão SaaSS para você. SaaSS sempre lhe sujeita ao poder do operador do servidor, e o único remÊdio Ê: Não use SaaSS! Não use um servidor alheio para fazer suas próprias atividades computacionais sobre dados fornecidos por você.
Essa questĂŁo demonstra a profundidade da diferença entre âabertoâ e âlivreâ. CĂłdigo-fonte que ĂŠ um cĂłdigo aberto ĂŠ (quase sempre) livre. PorĂŠm, a ideia de um serviço âsoftware abertoâ, referindo-se a um software de servidor ser cĂłdigo aberto e/ou livre, falha em resolver a questĂŁo do SaaSS.
Serviços sĂŁo fundamentalmente diferentes de programas, e as questĂľes ĂŠticas que serviços levantam sĂŁo fundamentalmente diferentes das questĂľes que programas levantam. Para evitar confusĂŁo, evitamos descrever algum serviço como âlivreâ ou âprivativoâ.
Diferenciando SaaSS de Outros Serviços de Rede
Quais serviços são SaaSS? O exemplo mais claro Ê um serviço de tradução, que traduz (digamos) um texto de inglês para espanhol. A tradução de um texto para você Ê uma tarefa computacional que Ê puramente sua. Você poderia realizå-la executando um programa em seu próprio computador, se você simplesmente tivesse o programa certo. (Para ser Êtico, esse programa deve ser livre.) O serviço de tradução substitui esse programa, então trata-se de Serviço como Substituto de Software, ou SaaSS. Por lhe negar o controle de sua própria computação, ele Ê ruim para você.
Outro exemplo claro Ê o uso de um serviço como Flickr ou Instagram para modificar uma foto. Modificar fotos Ê uma atividade que as pessoas têm feito em seus próprios computadores ao longo de dÊcadas; fazê-la em um servidor, ao invÊs de em seu próprio computador Ê SaaSS.
Rejeitar SaaSS não significa se recusar a usar quaisquer servidores de rede mantidos por qualquer pessoa alÊm de você. A maioria dos servidores não são SaaSS porque os trabalhos que eles fazem não são a computação do próprio usuårio.
O propósito original de servidores web não era realizar atividades computacionais por você, e sim publicar informaçþes para você acessar. Mesmo hoje em dia, Ê isso o que faz a maioria dos sites, sem que haja o problema do SaaSS, pois acessar uma informação publicada por outra pessoa não Ê fazer sua própria computação. Nem a publicação de seu próprio material atravÊs de um site de blog ou serviço de microblog, como Twitter ou StatusNet. (Esses serviços podem ter outros problemas, Ê claro.) O mesmo vale para outras comunicaçþes que não têm a intenção de ser privadas, como grupos de bate-papo.
Na sua essência, as redes sociais digitais são uma forma de comunicação e publicação, não SaaSS. Entretanto, um serviço cuja principal função Ê a de rede social pode ter recursos e extensþes que são SaaSS.
Se um serviço não Ê SaaSS, isso não significa que ele não apresente algum problema. Hå outras questþes Êticas sobre serviços. Por exemplo, o Facebook requer a execução de código JavaScript não livre; e ele då aos usuårios uma impressão enganosa de privacidade, enquanto os induz a desnudar suas vidas para o Facebook. Essas são questþes importantes, diversas da questão do SaaSS.
Serviços como mecanismos de pesquisa coletam dados de toda a web e permitem que vocĂŞ os examine. Observar a coleção de dados deles nĂŁo ĂŠ fazer sua prĂłpria atividade computacional, no sentido comum — vocĂŞ nĂŁo forneceu aquela coleção de dados —, entĂŁo o uso de um tal serviço para pesquisar a web nĂŁo ĂŠ SaaSS. PorĂŠm, usar o mecanismo de pesquisa alheio para implementar um recurso de pesquisa em seu prĂłprio site definitivamente ĂŠ SaaSS.
Compras pela internet não Ê SaaSS, pois a computação não Ê sua própria atividade; pelo contrårio, ela Ê feita conjuntamente por você e pela loja. O problema real nas compras pela internet Ê se você confia seu dinheiro e outras informaçþes pessoais (a começar pelo seu nome) à outra parte.
Sites de repositĂłrios tais como Savannah e SourceForge nĂŁo sĂŁo inerentemente SaaSS porque a tarefa de um repositĂłrio ĂŠ publicar os dados a ele fornecidos.
Usar servidores de projeto conjunto nĂŁo ĂŠ SaaSS porque a atividade computacional que vocĂŞ faz desta forma nĂŁo ĂŠ sua prĂłpria. Por exemplo, ao editar pĂĄginas na WikipĂŠdia, vocĂŞ nĂŁo estĂĄ fazendo sua prĂłpria computação; ao invĂŠs disso, vocĂŞ estĂĄ colaborando para a atividade computacional da WikipĂŠdia. A WikipĂŠdia controla seus prĂłprios servidores, mas organizaçþes, assim como indivĂduos, encontram o problema do SaaSS quando fazem sua prĂłpria computação em um servidor alheio.
Alguns sites oferecem múltiplos serviços, e se um não Ê SaaSS, outro pode ser SaaSS. Por exemplo, o serviço principal do Facebook Ê o de rede social, e isso não Ê SaaSS; porÊm, ele possui suporte a aplicativos de terceiros, alguns dos quais são SaaSS. O serviço principal do Flickr Ê a distribuição de fotos, que não Ê SaaSS, mas ele tambÊm possui recursos para a edição de fotos, que Ê SaaSS. Da mesma maneira, usar Instagram para postar uma foto não Ê SaaSS, mas uså-lo para transformar uma foto Ê SaaSS.
Google Docs mostra o quão complexa pode se tornar a avaliação de um único serviço. Ele convida pessoas a editarem um documento atravÊs da execução de um enorme programa JavaScript não-livre, claramente mau. Contudo, oferece uma API para upload e download de documentos em formatos padrão. Um software editor livre pode fazer isso usando essa API. Esse cenårio de uso não Ê SaaSS porque usa Google Docs como um mero repositório. Mostrar todos os seus dados para uma companhia Ê ruim, mas isso Ê um problema de privacidade, não de SaaSS; depender de um serviço para acessar seus próprios dados Ê mau, porÊm Ê um problema de risco, não de SaaSS. Por outro lado, usar o serviço para converter documentos de um formato a outro Ê SaaSS, porque Ê algo que poderia ser feito rodando um programa adequado (livre, espera-se) em seu próprio computador.
Usar Google Docs atravÊs de um editor livre Ê raro, Ê claro. Mais frequentemente, as pessoas o usam atravÊs do programa JavaScript não-livre, que Ê tão ruim quanto qualquer programa não-livre. Esse cenårio poderia envolver SaaSS, tambÊm; isso vai depender de que parte da edição Ê feita no programa JavaScript e que parte Ê feita no servidor. Não sabemos como isso Ê feito, mas, desde que SaaSS e software privativo causam males parecidos ao usuårio, não Ê crucial saber como.
A publicação atravĂŠs do repositĂłrio de outra pessoa nĂŁo levanta problemas de privacidade, mas publicar atravĂŠs do Google Docs tem um problema especial: ĂŠ impossĂvel atĂŠ mesmo ver o texto de um documento no Google Docs em um navegador, sem executar o cĂłdigo JavaScript nĂŁo-livre. EntĂŁo, vocĂŞ nĂŁo deve usar Google Docs para publicar nada — mas a razĂŁo nĂŁo ĂŠ um assunto de SaaSS.
A indĂşstria de TI desencoraja os usuĂĄrios a considerarem essas diferenças. Ă para isso que serve a expressĂŁo do momento âcomputação em nuvemâ [âcloud computingâ]. Esse termo ĂŠ tĂŁo nebuloso que pode referir-se a quase qualquer uso da internet. Ele inclui SaaSS assim como muitas outras prĂĄticas de uso de rede. Em qualquer dado contexto, um autor que escreve ânuvemâ (se ele ĂŠ uma pessoa tĂŠcnica) provavelmente tem um significado especĂfico em mente, mas usualmente nĂŁo explica que em outros artigos o termo tem outros significados especĂficos. O termo induz as pessoas a generalizarem sobre prĂĄticas que elas deveriam considerar separadamente.
Se âcomputação em nuvemâ tem algum significado, nĂŁo se trata de um jeito de efetuar uma computação, mas de um jeito de pensar sobre computação. Uma abordagem irresponsĂĄvel, que diz: âNĂŁo façam perguntas. NĂŁo se preocupem com quem controla sua computação ou quem detĂŠm seus dados. NĂŁo verifiquem se hĂĄ algum anzol escondido em nosso serviço antes de engoli-lo. Confiem em companhias sem hesitarâ. Em outras palavras, âSeja um otĂĄrioâ. Uma nuvem na mente ĂŠ um obstĂĄculo ao pensamento claro. Em prol do pensamento claro, evitemos o termo ânuvemâ.
Alugando um Servidor Diferente de SaaSS
Se você alugar um servidor (real ou virtual), cujo carregamento de software você tem controle, isso não Ê SaaSS. No SaaSS, outra pessoa decide qual software Ê usado no servidor e, portanto, controla a computador que ele faz por você. No caso em que você instala o software no servidor, você controla qual computação ele faz por você. Então, o servidor alugado Ê, virtualmente, seu computador. Neste quesito, ele conta como seu próprio.
Os dados no servidor remoto alugado sĂŁo menos seguros do que se vocĂŞ tivesse o servidor em casa, mas essa ĂŠ uma questĂŁo separada do SaaSS.
Esse tipo de aluguel de servidor Ă s vezes ĂŠ chamado de "IaaS", mas esse termo se encaixa em uma estrutura conceitual que minimiza as questĂľes que consideramos importantes.
Lidando com o Problema do SaaSS
Somente uma pequena fração de todos os sĂtios web fazem SaaSS; a maioria nĂŁo apresenta esse problema. Mas o que nĂłs devemos fazer quanto Ă queles que o apresentam?
Para o simples caso em que você estå fazendo sua própria atividade computacional sobre dados que estão em suas próprias mãos, a solução Ê simples: use sua própria cópia de um software livre. Faça sua edição de texto com sua própria cópia de um editor de textos livre, como o GNU Emacs, ou um processador de textos livre. Faça sua edição de fotos com sua cópia de um software livre, como o GIMP. Mas, e se não houver nenhum programa livre à disposição? Um programa privativo ou um SaaSS tiraria sua liberdade, portanto você não deve uså-los. Você pode contribuir com tempo ou dinheiro para o desenvolvimento de um substituto livre.
Mas, e sobre a colaboração com outras pessoas como um grupo? Isso pode ser difĂcil de se fazer no momento sem usar um servidor, e seu grupo pode nĂŁo saber como rodar um servidor prĂłprio. Se vocĂŞ usar um servidor alheio, pelo menos nĂŁo confie em um servidor mantido por uma empresa. Um mero contrato como um cliente nĂŁo ĂŠ proteção, a nĂŁo ser que vocĂŞ possa detectar falhas e possa realmente processar a empresa, e provavelmente a empresa escreve seus contratos de forma a permitir uma vasta gama de abusos. O Estado pode apreender seus dados na empresa, junto com os dados de todos os demais, como o Obama fez com companhias telefĂ´nicas que ilegalmente grampeavam seus clientes para o Bush. Se vocĂŞ precisar usar um servidor, use um servidor cujos operadores deem a vocĂŞ uma base para confiar alĂŠm de um mero relacionamento comercial.
PorĂŠm, em uma escala a longo prazo, nĂłs podemos criar alternativas ao uso de servidores. Por exemplo, nĂłs podemos criar um programa ponto-a-ponto [peer-to-peer] atravĂŠs do qual colaboradores possam compartilhar dados criptografados. A comunidade de software livre deve desenvolver substitutos ponto-a-ponto distribuĂdos para âaplicaçþes webâ importantes. Pode ser sĂĄbio disponibilizĂĄ-los sob a GNU AGPL, pois eles sĂŁo provĂĄveis candidatos a se converterem em programas baseados em servidor por outra pessoa. O Projeto GNU estĂĄ procurando voluntĂĄrios para trabalhar em tais substitutos. NĂłs tambĂŠm convidamos outros projetos de software livre a considerarem essa questĂŁo em seu design.
Enquanto isso, se uma empresa convidar vocĂŞ a usar o servidor dela para fazer suas prĂłprias tarefas computacionais, nĂŁo se submeta. NĂŁo use SaaSS. NĂŁo compre ou instale âthin clientsâ, que sĂŁo apenas computadores tĂŁo fracos que obrigam-lhe a fazer o trabalho real em um servidor, a nĂŁo ser que vocĂŞ vĂĄ usĂĄ-los em seu prĂłprio servidor. Use um computador real e mantenha seus dados nele. Faça sua prĂłpria computação com sua prĂłpria cĂłpia de programa livre, em prol da sua liberdade.
A primeira versĂŁo deste artigo foi publicada no Boston Review.
Veja tambĂŠm: O Erro que NinguĂŠm Tem PermissĂŁo para Entender.